Recital de piano na Igreja da Misericórdia de Tavira em homenagem a Maria Campina
Pareciam as pernas de uma aranha a saltitar. Os dedos andavam
de tecla em tecla uma velocidade estonteante. Os fios invisíveis que os ligavam
ao cérebro do pianista lá estavam a mexer as extremidades das mãos como se
fossem marionetas.
Mas a concentração era difícil. O senhor da fila 4 puxava a expetoração
nasal com tanta energia que quase a podíamos imaginar a sair pelo nariz. A
velhota da 6 tossia uma tosse seca de cão. A jovenzita da fila 2 espirrava
ruidosamente. Na fila 8, a senhora de casco verde desembrulhava rebuçados. Na
fila 3,a a rapariga remexia furiosamente a mala procurando não sei o quê. A
criança da fila 1 brincava com o programa que caía constantemente no chão.
Lá fora a chuva caía insistentemente na calçada.
Mas o pianista parecia estar noutro mundo, absorto e indiferente
a todos estes ruídos. Os seus dedos continuavam a correr sobre as teclas,
tocando o Improviso Opus 142, nº 2, de Schubert.
Etiquetas: Igreja da Misericórdia de Tavira, Prof. João António de Almeida, recital em homenagem a Maria Campina
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