Tiago – o marido
![]() |
@Maria Melo |
Conhecia o Tiago desde sempre. Ele andava num colégio de
rapazes e ela num de raparigas. Tinham muitas actividades juntas. Ele gostava
de tudo o que estava ligado ao desporto. Ela sonhava e desenhava. E apoiava-o.
Como quando ele se começou a dedicar à vela, chegando a velejador olímpico nas
classes de Dragão e Star. Enquanto eles treinavam, ela ficava sentada no areal
a desdenhar o que via. António tinha 15 anos, quando embarcou em Sesimbra, na
sua primeira grande aventura da vela. Com mais dois amigos, que tinha conhecido
nas competições, Jorge e Michel. Num veleiro clássico de 12 metros, fizeram
juntos nas férias de verão a costa de Portugal, de Espanha e de Marrocos,
sonhando com uma volta ao mundo em barco à vela. Ela apoiava Tiago e os seus
dois amigos como se de irmãos de tratasse. E desenhou o que Tiago e os amigos
lhe descreveram.
Quando acabou o ano lectivo e regressou a África, onde os
Pais moravam, Tiago pediu a um amigo que lhe fosse para lhe entregar um
bilhetinho ao aeroporto, muito dobradinho e que na parte de fora tinha escrito:
Depois de ler rasgue e deite fora, sim? (Não presta). Não é nada de
importância:
.
Amor
Já sei que
não era nada a sério, escrever eu ou tu…. De mais a mais nem sou primo, nem
menino daqueles que a tua amiga inventa. Mas como não te vou dizer adeus, quis
escrever agora, já.
Boa
viagem, sem enjoar, como eu, boas férias, estuda a Matemática, como eu vou
fazer e … juizinho. Daquele que eu disse pelo telefone mas não expliquei
(talvez explique um dia).
Um beijinho pequenino = a um que
dei na sua (enorme) mão
Adeus
O teu namorado enamorado
As férias em Nova Lisboa passaram-se… a estudar Matemática
para o exame de Setembro. Não fazia mais nada do que resolver os problemas do
livro de exercícios do Palma Fernandes. O estudo era felizmente interrompido
pelas cartas de Tiago, que iam chegando, atrasadas, mas a um ritmo regular.
Estás bem,
amor querido? E estes dias sem mim a guardar-te, têm sido bons ou muitos
cansativos?
Eu amo-te,
bijú, e tenho saudades tuas. Custa-me muito não te ter cá depois de já estar
habituado aqui, em Santa Margarida, à tua presença, embora leia menos e faça
menos coisas úteis. Mas é o amor!....
Quero
comprar um carro. Até os meus Pais me dizem que um carro faz muita falta e faz
já parte da vida. Vou ver se acelero a compra do automóvel. Toda a gente me
aconselha o R5. Vai ser uma classe, tu a guiares um R5!
Vou
esperar ansiosamente pelo dia do teu regresso! Deus queira que andes bem, amor.
Eu estou sempre contigo.
Beijo-te,
querida!
Teu
(quase) marido apaixonado.
Assim que acabaram o liceu e juntaram algum dinheiro, casaram. Amavam-se
perdidamente. Ele começou a trabalhar com técnico de ar condicionado e ela,
apesar do seu aspecto frágil, vaporoso, candidatou-se a vendedora duma empresa
de comercialização de gruas. A única mulher numa equipa só de homens. E a
melhor. A que mais vendia.
Sebastião nasceu como verdadeiro fruto do amor. Ela e Tiago adoravam-no. A
vida corria bem mas ela começou a sentir que lhe faltava o ar. O único escape
que tinha eram os seus bloquinhos. Com os seus desenhos descrevia o que lhe ia
na alma. Sentia porém que precisava ainda de aprender muito.
- Sei desenhar, Tiago, mas tenho de aprender as técnicas.
- Amorzinho, tu és boa por ti. Não precisas de aprender técnicas nenhumas.
Ela voltava para os seus caderninhos, os seus desenhos não a satisfaziam.
Sim, eram bons, mas podiam ser melhores.
Tiago não compreendia as suas ânsias de mais saber.
- Mas para que queres tu saber técnicas? Tu és vendedora de gruas, melhor
ainda, és uma fantástica vendedora. Ainda há semanas ganhaste o prémio de
melhor vendedora da Península Ibérica. Queres mudar de profissão? Queres ser
pintora? O que queres?
Ela desistiu de lhe tentar explicar. António não entendia que era o desenho
que a mantinha viva. Que lhe dava ânimo para enfrentar o mundo seco e sem
interesse das gruas. Não, não valia a pena explicar-lhe mais.
E aos poucos foram-se afastando. Ele passava o tempo livre no mar, no
barco. Ela desenhava enquanto Sebastião brincava.
Até que sentiram que já nada tinham em comum. Eram amigos, muito amigos,
mas o amor, a paixão de outrora tinha-se perdido no quotidiano.
![]() |
@Maria Melo |
Etiquetas: love story
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home