A bolha
O calor apertava. O sol batia de chapa no jardim. Mas ninguém arredava pé. Não havia nem um espacinho livre para uma mosquinha voar.
Era o Mundial de Futebol e jogava a Holanda. Todos os holandeses da redondeza se tinham concentrado ali naquele jardim para apoiar a equipa laranja e admirar a sua mestria com a bola.
Luís tinha-se porém posicionado de costas para a tela gigante conde os 22 homens corriam atrás da bola. Tinha ido até ao jardim, não para ver a bola, mas para a ver a ela. Ela, a sua nova e grande paixão.
Quando se conheceram havia uma semana, tinha sido flecha certeira. Ver e amar-te fora verdadeiramente obra dum instante. Nem os 20 anos de diferença o incomodavam. Ele tinha quase a idade do filho dela, mas que interessava? Aliás, Luís, quando amava, amava qual vulcão em erupção. Como é que tudo tinha acontecido tão depressa? Tudo avançava a uma velocidade anormal. Nem o Concorde voava tão depressa. As amigas dela diziam que era depressa demais? Será que teriam ciúme tão amor tão apaixonado? Será que já eram tão velhas que já não se lembravam como é quando o fogo arde sem se ver?
Nada disso porém lhes interessava. Nem o que as pessoas pudessem dizer. 30 anos e ela 50. onde está o problema? O amor, quando bate à porta, é assim, nem escolhe a idade. Além disso, ele tinha tanto amor para dar, que andava extasiado. Tudo parecia surreal. Nem sabia distinguir a verdade da mentira.
És a mulher mais bonita que conheço”, escrevia-lhe em mensagens apaixonadas. “Sempre elegante. Sempre bem disposta”.
"Adoro-te".
Quem diria que há uma semana que agora estaria a viver uma linda historia de amor? Que dia e noite só pensava nela? Que estaria o dia todo a escreve-lhe SMS do seu Blackberry? Agora é que iria mostrar à mãe que afinal sabia o que queria, que criar uma família dele, que iria casar e ter filhos.
Pois, a mãe. Que sempre tinha controlado a vida dele. E que ainda a controlava. Às vezes, até parecia que o seu filho já era maior e vacinado, que já tinha mais de 30 anos. Que podia entrar e sair e de casa quando quisesse sem ter de dar cavaco. Que podia sair com quem quisesse sem ter de dar satisfações à mãe. Quem lhe dera ter uma mãe como as outras, compreensivas, companheiras, confidentes. Talvez a vida tivesse sido bem diferente. Talvez nem tivesse a necessidade de balançar constantemente entre a realidade e o sonho, entre a verdade e a mentira. A sua vida tinha dias mais fáceis e outros deveras complicado de ultrapassar.
Mas agora ele sentia-se a personagem que interpretava. Muitas vezes até se esquecia que era um mero vendedor de pastilhas elásticas e sentia-se director da empresa. Também agora não havia nada a fazer. Tinha-se apresentado como director comercial duma grande multinacional. Tinha alimentado essa ideia de um dia o ver a ser, e agora já não havia volte-face. Tinha que seguir em frente, fazendo crer que era um quadro superior com carro e telemóvel e sei lá que mais. O pior eram as perguntas constantes. Dele e dos amigos. Como fugir o rabo da seringa? Ser evasivo tinha sido a táctica até agora, mas sentia que o cerco estava a apertar. Que curiosos eram! Queriam saber como se estava a dar na empresa, se já tinha visitado todas as filiais, falavam de coisas de que ele não fazia a mínima ideia.
Que interessava. Ela continuava a sair com ele, a responder-lhe coisas lindas. Ela era a sua princesa. Com ela iria ter filhos, iria comprar as alianças, iriam casar, viver juntos e ser felizes para sempre…
A vida era linda, leve, sem problemas. A mãe ralhava com ele porque ele chegava tarde e más horas a casa. Tinha estado com ela. Tinham ido ao shopping, tinham ficado no carro a conversar. Mas a mãe não largava. Telefonava a toda a hora. A sua vida amorosa tinha sido de relações ocasionais ou que pouco duravam. Agora estava de novo a viver a paixão, cheia de fogo. Ela era a peça no puzzle que lhe faltava. Apesar de só se conhecer há duas-três semanas, sem ela, Luís sentia-se incompleto. Até aquele encontro estava carente de carinho, colo, paixão e de amor. E agora tinha isso tudo.
Um dia, porém, ela mandou-lhe um SMS cancelando a combinação que tinham para irem beber uma cerveja e comer uns tremoços. Porque seria? Ela estava sempre disposta a sair com ele. Porquê este cancelamento repentino? Em todo o caso, ele não iria abrir mão deste seu amor. Ele só queria era ser feliz. Ao lado dela. Tinha que lutar por isso. O mundo não era um deserto sem vida. Já tinha a sua princesa. Era uma fonte que brotava a força viva do amor, que dava para regar o mais quente e árido deserto. Não. Não iria aceitar aquele cancelamento.
Foi até lá. Bateu à porta e encontrou-a calmamente sentada na varanda, a gozar o fresco do fim da tarde, folheando uma revista.
- Que fazes aqui? – perguntou-lhe. – Escrevi-te a dizer que não iria hoje comer os tremoços.
- Mas eu não consigo viver um dia sem te ver – respondeu-lhe apaixonado. Naquele instante, o filho dela, da mesma idade do Luís, assomou à porta da cozinha. Viu-os a conversar na varanda, disse algo incompreensível que tanto podia ser um cumprimento como um “vai à tua vida e deixa-me em paz”.
- Vamos até ao jardim – sugeriu ela.
Levantou-se e saíram de casa. Fizeram o caminho até ao jardim central da aldeia, calados, lado a lado, sem darem as mãos.
Luís sentiu que o coração lhe batia com mais força. Que se estaria a passar? Será que ela teria descoberto alguma coisa? O suor já lhe escorria pela camisa apesar de já ser quase de noite e os dias terem arrefecido bastante. A canícula dos dias do futebol já tinha abrandado.
- Telefonei hoje para a tua empresa – disse ela de chofre.
Luís abriu os olhos arregalados. Que fazer? Fugir? Sentia as pernas paralisadas. A voz seca. A mente bloqueada.
- Disseram-me que não trabalha lá ninguém com o teu nome. Depois liguei para a representante das pastilhas elásticas. Queria falar contigo. Disseram-me que raramente estás no escritório. Estás sempre na rua a repor os stocks…
Sentia os olhos a embaciarem-se. A voz estava embargada. Luís tirou as chaves do bolso, meteu-se no carro e fugiu.
A bolha em que vivera estas semanas rebentara.
Era o Mundial de Futebol e jogava a Holanda. Todos os holandeses da redondeza se tinham concentrado ali naquele jardim para apoiar a equipa laranja e admirar a sua mestria com a bola.
Luís tinha-se porém posicionado de costas para a tela gigante conde os 22 homens corriam atrás da bola. Tinha ido até ao jardim, não para ver a bola, mas para a ver a ela. Ela, a sua nova e grande paixão.
Quando se conheceram havia uma semana, tinha sido flecha certeira. Ver e amar-te fora verdadeiramente obra dum instante. Nem os 20 anos de diferença o incomodavam. Ele tinha quase a idade do filho dela, mas que interessava? Aliás, Luís, quando amava, amava qual vulcão em erupção. Como é que tudo tinha acontecido tão depressa? Tudo avançava a uma velocidade anormal. Nem o Concorde voava tão depressa. As amigas dela diziam que era depressa demais? Será que teriam ciúme tão amor tão apaixonado? Será que já eram tão velhas que já não se lembravam como é quando o fogo arde sem se ver?
Nada disso porém lhes interessava. Nem o que as pessoas pudessem dizer. 30 anos e ela 50. onde está o problema? O amor, quando bate à porta, é assim, nem escolhe a idade. Além disso, ele tinha tanto amor para dar, que andava extasiado. Tudo parecia surreal. Nem sabia distinguir a verdade da mentira.
És a mulher mais bonita que conheço”, escrevia-lhe em mensagens apaixonadas. “Sempre elegante. Sempre bem disposta”.
"Adoro-te".
Quem diria que há uma semana que agora estaria a viver uma linda historia de amor? Que dia e noite só pensava nela? Que estaria o dia todo a escreve-lhe SMS do seu Blackberry? Agora é que iria mostrar à mãe que afinal sabia o que queria, que criar uma família dele, que iria casar e ter filhos.
Pois, a mãe. Que sempre tinha controlado a vida dele. E que ainda a controlava. Às vezes, até parecia que o seu filho já era maior e vacinado, que já tinha mais de 30 anos. Que podia entrar e sair e de casa quando quisesse sem ter de dar cavaco. Que podia sair com quem quisesse sem ter de dar satisfações à mãe. Quem lhe dera ter uma mãe como as outras, compreensivas, companheiras, confidentes. Talvez a vida tivesse sido bem diferente. Talvez nem tivesse a necessidade de balançar constantemente entre a realidade e o sonho, entre a verdade e a mentira. A sua vida tinha dias mais fáceis e outros deveras complicado de ultrapassar.
Mas agora ele sentia-se a personagem que interpretava. Muitas vezes até se esquecia que era um mero vendedor de pastilhas elásticas e sentia-se director da empresa. Também agora não havia nada a fazer. Tinha-se apresentado como director comercial duma grande multinacional. Tinha alimentado essa ideia de um dia o ver a ser, e agora já não havia volte-face. Tinha que seguir em frente, fazendo crer que era um quadro superior com carro e telemóvel e sei lá que mais. O pior eram as perguntas constantes. Dele e dos amigos. Como fugir o rabo da seringa? Ser evasivo tinha sido a táctica até agora, mas sentia que o cerco estava a apertar. Que curiosos eram! Queriam saber como se estava a dar na empresa, se já tinha visitado todas as filiais, falavam de coisas de que ele não fazia a mínima ideia.
Que interessava. Ela continuava a sair com ele, a responder-lhe coisas lindas. Ela era a sua princesa. Com ela iria ter filhos, iria comprar as alianças, iriam casar, viver juntos e ser felizes para sempre…
A vida era linda, leve, sem problemas. A mãe ralhava com ele porque ele chegava tarde e más horas a casa. Tinha estado com ela. Tinham ido ao shopping, tinham ficado no carro a conversar. Mas a mãe não largava. Telefonava a toda a hora. A sua vida amorosa tinha sido de relações ocasionais ou que pouco duravam. Agora estava de novo a viver a paixão, cheia de fogo. Ela era a peça no puzzle que lhe faltava. Apesar de só se conhecer há duas-três semanas, sem ela, Luís sentia-se incompleto. Até aquele encontro estava carente de carinho, colo, paixão e de amor. E agora tinha isso tudo.
Um dia, porém, ela mandou-lhe um SMS cancelando a combinação que tinham para irem beber uma cerveja e comer uns tremoços. Porque seria? Ela estava sempre disposta a sair com ele. Porquê este cancelamento repentino? Em todo o caso, ele não iria abrir mão deste seu amor. Ele só queria era ser feliz. Ao lado dela. Tinha que lutar por isso. O mundo não era um deserto sem vida. Já tinha a sua princesa. Era uma fonte que brotava a força viva do amor, que dava para regar o mais quente e árido deserto. Não. Não iria aceitar aquele cancelamento.
Foi até lá. Bateu à porta e encontrou-a calmamente sentada na varanda, a gozar o fresco do fim da tarde, folheando uma revista.
- Que fazes aqui? – perguntou-lhe. – Escrevi-te a dizer que não iria hoje comer os tremoços.
- Mas eu não consigo viver um dia sem te ver – respondeu-lhe apaixonado. Naquele instante, o filho dela, da mesma idade do Luís, assomou à porta da cozinha. Viu-os a conversar na varanda, disse algo incompreensível que tanto podia ser um cumprimento como um “vai à tua vida e deixa-me em paz”.
- Vamos até ao jardim – sugeriu ela.
Levantou-se e saíram de casa. Fizeram o caminho até ao jardim central da aldeia, calados, lado a lado, sem darem as mãos.
Luís sentiu que o coração lhe batia com mais força. Que se estaria a passar? Será que ela teria descoberto alguma coisa? O suor já lhe escorria pela camisa apesar de já ser quase de noite e os dias terem arrefecido bastante. A canícula dos dias do futebol já tinha abrandado.
- Telefonei hoje para a tua empresa – disse ela de chofre.
Luís abriu os olhos arregalados. Que fazer? Fugir? Sentia as pernas paralisadas. A voz seca. A mente bloqueada.
- Disseram-me que não trabalha lá ninguém com o teu nome. Depois liguei para a representante das pastilhas elásticas. Queria falar contigo. Disseram-me que raramente estás no escritório. Estás sempre na rua a repor os stocks…
Sentia os olhos a embaciarem-se. A voz estava embargada. Luís tirou as chaves do bolso, meteu-se no carro e fugiu.
A bolha em que vivera estas semanas rebentara.
2 Comments:
Lindo como ela escreve sobre um acontecimento que teve lugar na vida real...
Mas agora passou a ficção
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