quinta-feira, julho 11, 2019

Alberto – “Não há coincidências…. Gosto de si!”



@Maria Melo


Adoro estar ao pé de si,
de lhe lamber a boca,
de lhe chuchar as gémeas,
de lhe beijar as costas,
de amá-la colado a si.
Deixe-me gostar de si,
à minha maneira mística!
A de adoro-a



Quando vinha Lisboa, Alberto gostava de ir a um concerto. Apesar de viver num monte alentejano e de ter muito orgulho na sua profissão de agricultor, ou melhor, como ele gostava de dizer, camponês, era um melómano sem cura. Sentia a música em tudo o que fazia. Ouvia a erva a crescer. Dizia que, pelo som, sabia distinguir se estava num campo de batatas ou de feijão, pois o feijão fazia, ao crescer, uma música diferente das batatas.
Tinha-a conhecido por mero acaso num concerto. Mas, convenhamos, todos sabem eu não há coincidências. Era um dia muito quente de verão e Alberto estava em Lisboa a tratar de assuntos relacionados com os empréstimos bancários que tivera de pedir para o seu projecto agrícola.
Ao passar pelo Palácio Foz reparou num papel preso à porta ao virar da esquina do elevador da Glória: “Hoje recital de piano por Lorenzo Bravo – Lorenzo Bravo toca Bach e Bravo”. Bach e Bravo?! Quem é este pianista que se pretende pôr à altura de Bach?
Alberto nunca tinha ouvido falar dele. Olhou para o relógio. O recital iria começar dentro de minutos E porque não? pensou. É sempre bom ouvir um bom recital. Vamos cá verse este Bravo merece os meus “bravôs”.
Passou o hall de entrada com duas colunas adossadas, de mármore, subiu a grandiosa escadaria deste palácio setecentista que antigamente era conhecido por Palácio Castelo Melhor e entrou na Sala dos Espelhos, bem gosto novo italiano.
Praticamente todos os lugares estavam ocupados. O calor era sufocante. Alberto sentou-se na 4ª fila. Na sala entrou Lorenzo Bravo, um jovem pianista italiano de porte altivo. Sentou-se ao piano e começou a tocar o seu repertório bastante eclético. Sendo também ele próprio apresentou um programa no qual alternava Bach e obras próprias.
Alberto põe-se a observar o público. O homem careca da fila da frente, de olhos fechados, abanava a cabeça ao som da toccata, BWV 830. A mulher gorda ao lado cerrava os olhos mas não mostrava nenhuma reacção emotiva. A jovem na fila do lado agarrava o programa, mascava a sua pastilha e vagueava o seu olhar pelos dourados do tecto. A senhora da saia branca e casaco azul, de cabelo curto e bem penteado, levantou-se para ver melhor a mestria com que Lorenzo Bravo tocava a sua peça “Hello”, tocando diretamente nos martelos. O homem de casaco azul e calça bege cruzava as pernas, deixando ver uma perna depilada e uma mini-meia branca. Ao consultar o programa tirou os óculos do bolso, fazendo tilintar as chaves, possivelmente do carro com que veio para Lisboa. A senhora ao seu lado, de blusa branca, ligeiramente transparente e cabelo encaracolado abanava-se com o seu leque cor-de-rosa e preto, tentando arrefecer um pouco o ar quente e abafado da Sala dos Espelhos.
- Uma bela mulher, pensou Alberto.
No final do recital, meteu conversa.
- Que belo concerto! - disse-lhe assim à queima-roupa.
- Muito eclético. Maravilhoso. Pena foram os ruídos das chaves. E as eternas tosses…
- É mesmo, parece que as pessoas vêm de propósito aos concertos quando têm tosse – gracejou Alberto.
- E eu que pensei que hoje não iríamos ter tosses. Como nos estamos no Verão…
- E com um calor que só nos faz desejar um gim tónico bem fresco…
- Tem graça, pensei o mesmo.
- Então, e se fôssemos tomar um. Posso convidá-la para um gim tónico?
Ela não tinha planos para a noite e acedeu. Foram ao bar num terraço dum hotel ali perto com uma bela vista sobro castelo. O grande calor da tarde já estava a passar com a brisa da noite que entretanto soprava.
As conversas são como as cerejas e um tema trazia outro. Foram conversando sem se aperceberam das horas até que um empregado os interrompeu:
- Desculpem, mas vamos encerrar.
Alberto olhou par ao relógio. Já passava da uma da manhã! Como o tempo tinha voado.
- Bem, aprece que nos estão a expulsar. Amanhã regresso a Mértola. Posso convidá-la pra lá ir passar o fim-de-semana para continuarmos a nossa conversa?
Ela ficou indecisa. O rapaz era bem disposto mas só se conheciam há apenas algumas horas. Mas por outro ado, porque não? Ela estava divorciada, sem namorado. Que havia a perder? Aceitou.
Foi o início duma nova etapa na sua vida. Alberto era uma alma positiva por natureza. Um grande amante e muito romântico, sempre com pequenos gestos, muito apaixonados e cheios de originalidade.
O fim-de-semana alargou-se para uma semana.
De regresso a Lisboa, ela foi recebendo missivas quase diárias de Alberto que ficara em Mértola. Nas cartas revela sensibilidade, o amor, criatividade e imaginação e acima de tudo, cheias de paixão. Cartas nunca dirigidas nem assinadas.
A primeira era somente uma folha branca, dobrada em três onde à esquerda escrevera: “Não há coincidências…” e no fundo, à direita “Gosto de si!”
No dia seguinte, nova carta, escrita igualmente a caneta de tinta permanente, azul:
Tu me manques!
Mi manchi
Me haces falta
I missed you

Tradução: És um monstro!
Já não sei comer sozinho à mesa
Olho em frente e você não está cá

De manhã o telefone não toca
e ele espera (a ela)!


A vida corria de feição. Viajaram muito. Correram mundo. Amaram muito.
Quando a vida profissional os afastava, as cartas mantinham-nos unidos.

Não há sítio melhor que
O Palácio Foz!
Foi lá que a conheci!
Foi lá que a amei!
Foi lá que me enterneci!

Parabéns! A ela por aturá-lo!
(Com tanta gente interessante neste mundo
E que olha tanto para si!)

Preciso dos teus beijos
            da tua boca
da tua língua
das tuas carícias
da tua voz
Em resumo: de ti!

Já lhe falei 2 x

Por favor não venda mais gruas
Compra-me a mim

                        O teu
                        Valentim
@Maria Melo


Etiquetas: ,