segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Jejum - uma paragem no quotidiano

Nos últimos tempos, associamos o palavra jejum imediatamente ao Ramadão. Porém na nossa sociedade o jejum não é algo desconhecido. Antigamente, quando a religião católica ainda era a estrela que guiava a vida de grande parte dos portugueses, seguia-se a regra do jejum durante a Quaresma. Nas últimas décadas, muitos movimentos que em nada têm a ver com a religião têm surgido nos países ditos desenvolvidos apregoando as vantagens do jejum.

O que é o jejum?
Jejum é a abstinência total ou parcial de alimentos por um período definido e com um propósito específico. Pode ter uma finalidade espiritual ou medicinal; o jejum traz imensos benefícios físicos com a desintoxicação que produz no corpo. Na realidade, todas as grandes religiões e todas as épocas apelam ao jejum.
No Egipto, acreditava-se que o jejum ajudava a manter a boa saúde. Na Grécia antiga, o jejum era utilizado como medicina e como meio de aumentar as energias; na Idade Média, era uma terapia. Na lei de Moisés, os judeus tinham um único dia de jejum instituído: o do Dia da Expiação (Lv, 23:27), que também ficou conhecido como "o dia do jejum" (Jr, 36:6) e ao qual Paulo se referiu como "o jejum" (Act, 27:9). Para os judeus, o nono dia do mês hebraico de Av é um dos grandes dias de jejum no Calendário Judaico, quando o povo judeu lamenta a data da destruição do Primeiro e do Segundo Templos, com a subsequente perda da soberania e exílio da Terra Santa. A observância tradicional inclui a leitura do Livro das Lamentações, os Kinot, um jejum de 25 horas e privação de confortos e contato físico. Em Jerusalém, centenas de pessoas se dirigem ao Kotel, o muro ocidental e único remanescente do Segundo Templo para lembrar a destruição, rezando pela redenção.

O jejum dos cristãos
Os cristãos sempre jejuaram apesar de não vir uma única referência expressa na Bíblia para se jejuar. No entanto, apesar de não haver um imperativo acerca desta prática, a Bíblia tem inúmeras menções ao jejum, falando-nos de pessoas que jejuaram e da forma como o fizeram - o próprio Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites no deserto - e com objetivos diferentes: para consagração (Nm, 6:3,4); arrependimento de pecados (I Sm, 7:6, Ne, 9:11); por luto (II Sm, 1:12 e 3:35); em tempo de aflição (II Sm,12:16-23 ou II Cr.20:3) e de doença (Sl, 35:13) ou pedindo proteção (Ed, 8:21-23), entre muitas outras situações.
Deste modo, pretende incentivar-se os crentes a jejuarem e como o devem fazer: "Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas, que desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuardes, unge a cabeça e lava o rosto, com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará." (Mt, 6:16-18).

O jejum durante o Ramadão
Para os muçulmanos, o Jejum no mês de Ramadão tornou-se obrigatório, em 624, o segundo ano da Hégira (saída de Maomé de Meca para Medina). No "Alcorão", o livro sagrado do Islão, é apresentada claramente a obrigatoriedade do jejum: "Ó fiéis, está-vos prescrito o jejum, tal como foi prescrito a vossos antepassados, para que temais a Deus. Jejuareis determinados dias; porém, quem de vós não cumprir o jejum, por achar-se enfermo ou em viagem, jejuará, depois o mesmo número de dias. Mas quem, só à custa de muito sacrifício, consegue cumpri-lo, vier a quebrá-lo, redimir-se-á, alimentando um necessitado; porém, quem se empenhar em fazer além do que for obrigatório, será melhor. Mas, se jejuardes, será preferível para vós, se quereis sabê-lo (...) e glorificai a Deus por Ter-vos orientado, a fim de que (Lhe) agradeçais." (Alcorão 2:183-185)".
O mês do Ramadão foi o mês em que foi revelado o Alcorão, orientação para a humanidade e evidência de orientação e discernimento.

O jejum como paragem no quotidiano
Como vemos, o propósito central de todos os jejuns é a mortificação da carne. Através do jejum, libertamo-nos da obrigação física de nos alimentarmos. É também um meio de (re)aprendermos a prescindir, uma palavra que praticamente deixar de haver no vocabulário das civilizações ocidentais.
Quem é que está disposto a prescindir do que quer que seja, numa sociedade de consumo, numa sociedade onde há - ou parece haver - tudo em abundância para se usar e abusar? Se temos tudo à nossa disposição, porque não tomamos?
É um passo importante na nossa vida como pessoas, prescindir conscientemente do que ali temos à mão de semear - seja um prescindir de comida, de bebida, de televisão, de tudo o que nos toma tempo e nos ocupa, inutilmente, espaço mental. É um passo para o nosso renascimento interno. Ao libertarmo-nos do que fazemos automaticamente sem pensar, estamos a crescer intimamente, a reencontrarmo-nos. Apercebemos o nosso mundo muito melhor, estamos com os olhos mais abertos para certas aberrações de que normalmente nem nos apercebemos no nosso ram-ram quotidiano. E é também um passo para a melhorarmos a sociedade em que vivemos. Pois ao estarmos de olhos abertos, com a mente mais liberta, vemos o que está mal e podemos fazer algo para a sua resolução.

Ainda saberemos prescindir?

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