terça-feira, março 29, 2016

CAMINHOS DE SANTIAGO – NOTAS SOLTAS

Caminhando
O que nos leva a fazer o Caminho de Santiago? Numa época onde se viaja de avião, onde tudo tem de ser rápido e imediato porque continuam milhares de pessoas a caminhar quilómetros e quilómetros a pé, à chuva e ao vento, por montes e vales, bosques e ribeiros, aldeias e cidades?
No Caminho encontramos jovens e idosos, mulheres, homens e até crianças, portugueses, espanhóis, ingleses, americanos, japoneses, enfim de todo o mundo.
A portuguesa com problemas nos ligamentos do joelho. Começou o Caminho em Barcelos e personifica bem a fábula "A lebre e a tartaruga". Lenta mas decididamente, sobrepondo-se ao joelho, chegou sempre a todos os albergues e a Santiago. Dentro do plano agendado.
A italiana que primeiro visitou Fátima – “O que é vir a Portugal e não ir a Fátima?” - antes de começar o Caminho no Porto. No ano passado fez, também sozinha, o Caminho Francês.
As duas australianas, mãe e filha, começaram o Caminho em Lisboa mas após alguns quilómetros desistiram porque o trajeto era sempre em estradas com muito trânsito. Tomaram então uma camioneta para Fátima e depois da visita ao santuário foram de comboio até ao Porto onde começaram a caminhar. Como em Portela de Tamel os joelhos da mãe tivessem começado a dar sinal, fizeram a etapa até Ponte de Lima separadas; a mãe de camioneta e a filha em corrida! Isabell, a filha, licenciou-se no ano passado e agora anda a correr mundo. No verão de 2015 fez sozinha o Caminho Francês, mas este ano a mãe resolveu acompanhá-la no Caminho Português. Depois de chegarem a Santiago, planeavam ir até à Côte d’Azur onde vive a avó para festejarem o seu 90º aniversário. A mãe era muito aberta com socialização fácil, entrando rapidamente em conversa com os outros caminheiros,
A japonesa que com dois bastões de caminhada e um sorriso nos lábios subia a serra da Labruja. Começou o caminho no dia 2 de março em Lisboa e pretendia chegar a Santiago no dia 25. Percorreu todo o caminho a pé, tendo também passado por Fátima.
Os ciclistas do Porto que muitas pragas rogaram ao subir a Serra da Labruja, levando as bicicletas à cabeça.
Ciclistas subindo a Serra da Labruja
O coreano que placidamente caminhava pelas sendas jacobeias, Encontrámo-lo pela primeira vez à saída de Padron, em Iria Flavia, onde, num café com wi-fi, telefonava alegremente com a pátria longínqua. Fomo-nos cruzando várias vezes com ele até Santiago, sorrindo sempre e trocado breves palavras. Há três anos fizera o Caminho Português com a família. Agora ali estava de novo, sozinho. E disse-nos, já em Santiago, com algum orgulho, “a minha filha também está a fazer o Caminho. Está a 100 km daqui.”
O grupo de escuteiros de Barcelos que alegre e efusivamente se queixava das bolhas, brincava, fazia penteados na camarata.
Os três espanhóis, jovens adultos, das Astúrias que tinham ido de carro até Redondela, e aí tomado um táxi até Ponte de Lima, para aí começarem o Caminho Português. Quando chegassem a Santiago, tomariam uma camioneta de volta a Redondela para apanharem o carro e regressarem a casa. No ano passado fizeram o Caminho Francês. Este ano era o Caminho Português e não a partir de Valença, como faz a grande maioria, mas de Ponte de Lima para ultrapassarem o grande obstáculo que é a serra da Labruja, Eram muito educados e prestáveis. Quando saíam para jantar, deixavam o seu cantinho na camarata muito arrumadinho. Ao levantarem-se cedo, acordavam com o despertador em música clássica que rapidamente desligavam para não incomodar os demais.
Os dois irlandeses robustos, que mais colocaríamos num pub com uma “pint” de Guiness na mão, avançavam rapidamente com uma grande passada.
O grupo de três mulheres e um homem da zona do Porto que parecia estar a fazer o Caminho sem alegria interior. Tinham sempre uma cara triste e as conversas pareciam ser ou de confessionário ou de consultório de psiquiatra.
O divertido grupo de jovens do Porto, que começou o Caminho em Valença do Minho, e que chegava sempre aos albergues no final da tarde, arrastando-se mas com muito boa disposição.
A avó, mãe e neto do Brasil que tinham começado o Caminho em Caminha para fazer o Caminho do Litoral. Estavam à procura das raízes. Uma linha de antepassados tinha a sua origem em Pontevedra, onde quereriam ir (voltar) depois de Santiago para procurar registos para fazer a árvore genealógica. A outra linha é bem preta. O tetravô era do Porto de uma família tão pobre que emigrou para fugir à fome. Foi trabalhar para uma fazendo de negros. A tetravó era escrava nessa fazenda. “Um dia, um índio pulou a cerca e violou-a. A minha tetravó ficou grávida e deu à luz uma cafuza. Você sabe o que é cafuza? É mistura de índio e negro”. A tetravó não podia ficar na fazenda de negros com uma cafuza e foi expulsa. O tetravô não gostou da decisão do dono da fazenda e casou com a escrava, adotando a cafuza. Em criança, Lourdes viveu em muitos lugares no Brasil porque o pai era militar de paixão. Aos 7 anos, o pai assentou arraiais em Brasília, tornando-se, com grande tristeza, funcionário federal. “Imagine, vivo há já 53 anos em Brasília. Casei em Brasília, meus filhos e netos nasceram, cresceram e casaram em Brasília, nunca mais saí”. Saiu agora para fazer o Caminho Português e ir ao encontro das suas raízes.
Fernanda, a já lendária D. Fernanda de Vitorino de Piães, antiga carteira (distribuidora de correio) que agora recebe caminheiros e os trata como membros da família.
Fernanda a fritar peixe para as três caminheiras que ficaram na sua casa nessa noite
Sérgio  e Jorge, as almas do albergue de Portela (Barro) que recebem os caminheiros com muito coração, simpatia e simplicidade. Apesar de estar paralisado desde os 14 anos, Sérgio não quebrou, lutando pela vida e por ser útil à sociedade. Tem agora um papel fundamental no acolhimento de caminheiros, Todos os dias preparam o jantar para os caminheiros que comem em conjunta “como uma grande família”. Antes de se começar a comer, é feita uma oração de graças e uma oração pelos caminheiros que no dia anterior ali pernoitaram, sendo lembrados uma a um por nome.
A alemã que se decidiu a fazer o Caminho em três dias, aceitando o repto da sua amiga venezuelana. Começaram em Valença. Após uma etapa longa. chegou derreada ao albergue de Portela. Mas aí recuperou as forças, tendo chegado a Santiago um dia mais cedo do que planeara.
Conchi, a rececionista do Albergue de Valga, uma entusiasta de Portugal, sempre disponível para qualquer pedido que se faça. 
O espanhol que nos tirou inúmeras fotografias quando descansávamos
com as pernas ao alto e sempre nos lembrava que "para caminhar é preciso ter os pés em baixo, não no alto".
Caminheiras


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