quarta-feira, julho 17, 2019

Eduardo - amores tropicais

@ Maria Melo


Eu por ti suspiro, eu por ti dou ais
Por ti eu não vou suspirar jamais!
Por ti eu suspiro, eu por ti dou ais
Por ti eu não vou suspirar jamais!
Augusto do Amaral 

Amores vão, amores vêm. Amores vêm. Amores vão. Encontrei Eduardo por acaso. Caiu-me literalmente nos braços. Tinha-me mudado por uns anos para São Tomé, a mítica ilha sobre a linha do Equador. A vida corrida lânguida, sem pressas. Não sentia falta de nada de Portugal. Sentia-se parte daquelas gentes.
Entre os novos hábitos instalados, não prescindia dum passeio pela praia mesmo defronte à casa que tinha alugado. Uma praia mesmo a meu gosto, com muitos coqueiros, alguns inclinados sobre a areia e sobre a água azul e morna, outros bem altivos, tentando chegar ao céu. Um dia, já o sol se estava a preparar para mergulhar no horizonte, passeava-me pela praia. Tinha sido um dia cansativo, com muito trabalho. Completamente absorta nas dificuldades que tinha presenciado nessa tarde ao visitar um dispensário, não reparei que a praia não era só minha como sempre acontecia. De repente, um cão ladra-me mesmo junto de mim. Assustei-me e desequilibrei-me. Caí… nos braços de Eduardo, um cooperante que tinha acabado de chegar à ilha. Eduardo, um engenheiro ligado ao petróleo, chegara a São Tomé havia somente uns dias, com um contrato de seis meses. Para evitar as saudades, tinha levado o seu cão predilecto, um rafeiro castanho, muito leal, encontrado a vaguear nos bosques perto da casa onde vivia no litoral lisboeta.
E agora ali estava, numa romântica praia santomense comigo nos braços. Ele que até atinha aceite o desafio para se esquecer da separação de Catarina e se afastar por uns tempos de mulheres atraentes. “Vou para ali como se fora para um desterro. Na plataforma petrolífera só há homens, não tenho de me preocupar”. Mas ei-lo, somente dois dias depois da chegada, com uma mulher nos braços. Apesar de não ser linda de morrer, tinha um olhar firme, decidido, algo que não queria nas mulheres mas que o atraía fatalmente.
Recompus-me o mais rapidamente possível.
- Peço-lhe imensa desculpa. Desequilibrei-me.
- Não, eu é que lhe peço desculpa. O meu cão ladrou-lhe sem nenhuma razão…
- … e eu aqui não costumo encontrar cães. Na realidade, nunca encontro ninguém…
- Ai, sim? As pessoas daqui não vêm gozar estes fins de tarde resplandecentes?
- Onde é que elas têm disponibilidade de espírito? Ainda não reparou que a vida aqui é vivida dia após dia. O importante é arranjar que comer no final do dia. Passear-se na praia …
- Cheguei a São Tomé há apenas dois dias…
- Então, isso explica tudo. Está de férias? Bem, com um cão…
- Estou a ficar com fome – disse Eduardo.
- Posso convidá-la para jantar? Afinal, tenho de a indemnizar pelo susto que o meu cão lhe pregou…


Porque não? – Pensei.
No início da estrada que dava à praia havia um cafezinho. Melhor, uma espelunca. Sentámo-nos num tronco da árvore caída que servia de banco. À porta havia um grande jaca.
- Gosta de jaca? – Perguntei.
Eduardo não fazia a mínima ideia do que lhe estava a falar.
- Ali, vê ali aquele fruto enorme? É jaca.
- Aquilo … come-se? Pensava que era decoração.
Solto uma gargalhada bem sonora.
- Bem se vê que acabou de chegar. A jaca é uma delícia. A polpa é muito macia e muito saborosa. E muito doce.
Também pendurado á porta, estava um belo espadarte.
- Vamos a um peixinho grelhado?
Conversámos sobre São Tomé. Sobre Portugal. Sobre África. Sobre nós.
Passámos a ver-nos diariamente até Eduardo ir para a plataforma. Sempre que podia vinha até à ilha. Ficava comigo. Dávamos grandes passeios. Conversámos muito. Amávamos muito.
Perto e longe. Só pensávamos um no outro. Dele recebi uma carta de Pequim, quando lá foi a uma conferência.
en plein ciel…
Sabes o que isto quer dizer?
- que eu, quando te vejo, flutuo
(a imagem é gira)

Adorei o almoço
Adorei o sol
Adorei vê-la
Não gostei da espera pelo bacalhau
Não gostei do gato
Não gostei de te ver partir…
    
                            Passa bem!
Beijo-te nas maminhas,
 isto é, no ar!

Quando fui a uma convenção internacional, recebi no hotel uma linda carta.
Ontem fiquei danado porque não vi a minha namorada!
     Não lhe dei beijinhos.
     Não almocei com ela.
     Não lhe meti a língua na boca dela.
E não a pus nua! com o relógio novo.
Para a semana tudo isto será exequível (se tu quiseres)
                                        Eu adorava!
                                        Adeus!

Mas, aos poucos, o amor foi-se evaporando. Separámo-nos de comum acordo. Regressei a Portugal.
Algumas semanas depois recebi uma linda carta. Eduardo afinal e ainda estava apaixonado….
Várias vezes quis escrever-te, mas adio sempre este momento.
 Aqui continuo retiro neste país por motivos de trabalho. É verdade, o projecto tem-se alargado, apesar de tudo correr com sucesso. Tantas vezes encontro-me com os meus pensamentos em ti. Posso confessar-te uma cisa? Tu foste leita pela minha consciência como a mulher tipo. Por vezes descubro o meu olhar que recai sobre morenas de cabelo ondulado, altas e elegantes, com presença e alegria no sorriso. Tu foste a pessoa que mais me ajudou a passar aqueles momentos negros e a construir todo o optimismo de que actualmente sou possuidor. Os teus ensinamentos modificaram a minha forma de encarar a vida.
Queria contar-te um segredo….
Actualmente tenho uma relação muito bonita com uma rapariga maravilhosa. Coincidência? É alta, atrevida e maliciosa, cabelos negros, ondulados, olhos castanhos e pequeninos, enterrados na maçã do rosto. Conhece-la?....
Beijos e abraços”
@ Maria Melo


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