quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Mueda — Mocimboa do Rovuma


























































Para muitas famílias militares, Mocimboa do Rovuma é um nome familiar. Muitos Pais estiveram lá durante a guerra colonial. Para mim, Mocimboa do Rovuma, Mueda, Tenente Valadim eram locais onde a guerra colonial significava mesmo guerra. Onde havia muitas ações dos “turras”, como eram chamados os elementos da guerrilha que lutavam pela independência de Moçambique (e das outras colónias). Lugares inóspitos, no meio do mato onde as famílias não tinham lugar. As mulheres e os filhos dos militares poderiam juntar-se-lhes em cidades e vilas mais fáceis, mais longe dos cenários de guerra como Porto Amélia (atualmente Pemba), Vila Pery (atualmente Chimoio), Inhambame, Nampula ou mesmo Lourenço Marques (atualmente Maputo).
Ao tornar-me adulta, comecei a interessar-me por esses momentos da minha história familiar que era ao mesmo tempo parte da história de Portugal. Comecei a visitar os novos países africanos que faziam parte das nossas ex-colónias. Especialmente Moçambique onde o meu Pai esteve por diversas vezes, antes e durante a guerra colonial. Mueda e Mocimboa do Rovuma eram para mim locais agrestes, duros, inóspitos, agressivos. Este ano, resolvi ir até lá para aclarar de vez as minhas fantasias. Na preparação da viagem, reli todos os aerogramas que o meu Pai nos escreveu de Mocimboa do Rovuma e fiz várias investigações quer nos arquivos militares quer na internet.
Queria ir visitar esses lugares mas não queria ir de mãos vazias. Afinal, era como “ir à terra”, pois lá “vivi” através dos relatos do meu Pai entre novembro de 1969 e meados de 1971 - e ninguém vai à terra sem presentes. Através da AAAIO recolheram-se 20 kg de roupa de bebe. A Lufthansa associou-se à ação e ofereceu uns sacos com chinelos. Foi assim equipada com dois grandes caixotes que parti de Lisboa.
Cheios de entusiasmo, saímos de Mocimboa da Praia com a certeza de que a estrada até Mueda estava muito boa e de que só teríamos picada durante os aproximadamente 50 km que distam de Mueda a Mocimboa do Rovuma. Grande azar! Ao chegarmos a Mueda, começa a cair uma chuvada típica da época húmida que transformou parte da estrada nacional em passagem de águas. Pior: o início da picada que nos levaria a Mocimboa do Rovuma estava totalmente desfeito; não era uma via mas um rio de largo porte com grande corrente! Que fazer? Ficámos uma meia hora parados em frente da fissura da estrada sem saber tomar uma decisão. Víamos as pessoas a passar a vau com grande dificuldade. Perguntámos então se seria possível ir com o nosso jipe. A resposta foi unânime: a estrada estava intransitável e assim se manteria nos próximos dias.
Que fazer? Só tínhamos mesmo aquele dia. De repente lembrei-me que tinha visto um sinal para o Hospital Rural de Mueda, Fomos até lá. Falámos com a direção na pessoa do Senhor Macassar Cheia, chefe da contabilidade, e lá deixámos os 20 kg de roupa de bebé da AAAIO e os chinelos da Lufthansa. Ficaram felizes ao ver tanta roupa linda, em parte nova.
Não cumprimos a nossa missão. Mas ajudámos um grupo de bebés que frequenta o Hospital de Mueda e assim indiretamente a população de Mocimboa do Rovuma. E aproveitámos para ver Mueda, uma pequena vila de província, um pouco esquecida dos governantes por estar muito longe de Maputo.
Quisemos almoçar, mas as restaurantes de Mueda só funcionam com reservas... de comida. Chegar a um restaurante e querer comer não é possível. Conclusão: não almoçámos.
Decidimos então ir visitar o Museu do Massacre de Mueda. No livro "Guerra Colonial", de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (Ed. Diário de Notícias), afirma-se que "no dia 16 de Junho de 1960 (....) reuniram-se em Mueda milhares de agricultores da região para exigirem do Governador, presente no local, a melhoria das condições de vida e a possibilidade de criação de cooperativas. Depois de mais de quatro horas de reunião sem qualquer acordo, as autoridades acabaram por dispersar a multidão com recurso às armas, o que se traduziu por verdadeiro massacre, julgando-se que possam ter morrido cerca de meio milhar de pessoas" (pág. 106).
A visita ao museu não foi porém possível, pois o “diretor estava de descanso” como nos explicou o funcionário. Restou-nos passear pela parte exterior do museu, onde está a vala comum dos moçambicanos mortos durante o massacre.

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7 Comments:

Blogger ANTONIO SARAMAGO said...

Estive em Mocimboa do Rovuma de janeiro de 1973 a agosto de 1974 passei lá as maiores amarguras da minnha vida

quarta ago. 01, 09:38:00 da tarde  
Blogger ANTONIO SARAMAGO said...

Estive em Mocimboa do Rovuma de janeiro de 1973 a agosto de 1974 passei lá as maiores amarguras da minnha vida

quarta ago. 01, 09:38:00 da tarde  
Anonymous F. Martinez said...

Pois meus amigos, estive em OMAR em 1971 e parte de 72 e lá sim tinha-nos um pacto com aquelas gentes de nos brindar com fogo de artificio todas as semanas e ás vezes mais , também não podíamos sair do aquartelamento por causa do feijão macaco e quando saímos logo nos davam as BOAS VINDAS .
ABRAÇO AMIGOS

quarta abr. 10, 11:38:00 da manhã  
Blogger Unknown said...

Este comentário foi removido pelo autor.

sexta mai. 03, 11:11:00 da tarde  
Blogger Unknown said...

Eu também estive em Mocimboa do Rovuma de finais de Novembro de 1969 a principio de Janeiro de 1971 Sobre o Comando de seu Pai José Alves Pereira! Sim era uma localidade de grandes Dificuldades mas também de Gratas Recordações! Seu pai quando me dirigia a palavra era do seguinte modo anda cá o Cabo Pinto pois vais ser promovido a Pintainho! Infelizmente já não se encontra entre nós a alguns Anos mas ainda tenho gratas recordações dele nos Convívios que o Batalhão 2894 faz todos os Anos!!!

segunda dez. 22, 12:05:00 da tarde  
Anonymous F. Ponto de Barros said...

Fui comandante do grupo GE 209 de Mocimboa do Rovuma entre maio 72 e agosto de73.Realmente aquilo era um senhor "buraco" que nem a espantosa paisagem para o Rovuma amenizava.Recordo o campo de futebol(parada),a messe,o edifício de comando,a capela,a pista,os aldeamentos e o tenebroso planalto do congolo com tudo o que representava:leões,guerrilheiros,minas,tiroteio e a famosa morteirada que nos mandavam de lá ou nos distribuíam no local! Recordo o dia 9 de dezembro de 1972,salvo erro um domingo e curiosamente dia de aniversário do meu pai,como o dia mais longo, mais terrível que alguma vivi na minha já curta vida. Foram 9 dias lá,de um lado para outro a jogar as escondidas, aos tiros, a morteirada, com os guerrilheiros a espreitar atrás das arvores(e isso mesmo, leram bem),a sentir a respiração dos leões a noite(!!!)enfim um verdadeiro inferno durante 9 dias. Quis o destino que nem um único ferido tivesse sofrido no meio daquele autêntico arraial de fogo! Nunca como no regresso ao quartel me senti tao bem em tal buraco. Omar como como outros locais tinha condições infra humanas mas Mocimboa do Rovuma para mim parecia pior porque tinha muito mais gente a sofrer. Um ex-alferes miliciano

quarta out. 21, 07:14:00 da tarde  
Blogger Unknown said...

Fui sargento miliciano enfermeiro.Estive em Mocimboa do Rovuma,de Maio de 1966 a Setembro de 1967.A minha Companhia,a CCS do BC 1890, sofreu ali três mortos em combate,o primeiro dos quais provocado por uma mina anti-pessoal,na picada Mueda Mocimboa do Rovuma.

domingo mar. 25, 09:09:00 da tarde  

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