terça-feira, setembro 14, 2010

28 anos – uma história de amor

Tinham os dois chegado à universidade de Eindhoven vindos de outras terras e de outras histórias. Não vinham à procura de nada. Somente à procura da vida, duma vida nova.
Os dois tinham, como aliás toda a gente tem, uma história de vida para trás. Primeiros amores passados. Primeiros empregos com êxito de iniciantes. Hobbies que espelhavam no que acreditavam e o que viviam.
As suas vidas cruzaram-se por mero acaso. São aliás os acasos que fazem a vida. Juntam-se e depois de muitas coincidências temos a história das nossas vidas como uma manta de retalhos.
De cursos diferentes como se haveriam de encontrar numa grande universidade internacional com mais de 9000 estudantes? Um estudava Matemática. Outro Engenharia Biomédica. Um estava em casa, era holandês. Ela vinha de fora, da Roménia. Mas o que é certo é que os seus passos se cruzaram. Força magnética das suas mentes? Talvez. Não era a mente o lema da universidade? Mens agitat molem.
Foi sem dúvida uma época muito excitante. Ele mudara-se para a universidade de Eindhoven vindo de Amesterdão, onde já fizera os primeiros semestres. Considerava importante conhecer outras realidades e outras escolas de pensamento. Ela vinha de Bucareste, onde se tinha licenciado. Iria fazer o seu mestrado em Eindhoven.
Ela chegara à Holanda no final de Setembro. Tudo era diferente do seu país. Não era só a língua. Os usos e costumes eram como se tivesse chegado a outro planeta. Havia tudo para descobrir. Havia que fazer tudo. Experimentar tudo. Além dos seminários obrigatórios, resolveu inscrever-se também em desporto. A oferta era muito grande. Na sua terra, só havia as disciplinas clássicas: Ginástica de manutenção, Dança Moderna, Dança Acrobática, Natação, Futebol, etc. Que escolher? Estava em tempos de descobertas do diferente. Decide-se por Dança Criativa, Conhecimento do Corpo e Ginástica para Esqui. Que seria tudo isto? Os nomes nada lhe diziam. Era isso mesmo. Novidades era o que ela queria. Mais: descobrira que o Centro Desportivo da universidade tinha um health center com uns preços irrisórios. Na sua terra, sauna, banho turco e natação livre eram luxos para as classes mais abastadas. E aqui até ela os poderia ter, ela que tinha de virar todos os cêntimos duas vezes pois vivia com um orçamento apertado.
Mas as ofertas da universidade eram alargadíssimas em todos os ramos e abrangiam inúmeras áreas do saber. A nível de línguas havia cursos livres de – diria mesmo – todas as línguas do mundo. Mandarim? Japonês? Tétum? Bahasa? Árabe? Bengali? Hindi? Novamente, o problema estava na escolha… Hindi pareceu-lhe interessante. A Índia era um país com uma história e cultura milenares. Saber a sua língua era a melhor chave para entrar nos mistérios do país.
Primeiro dia de aulas. A excitação normal. Cadernos novos. Livros novos. Acima de tudo, universidade nova. Colegas novos. Tudo novo. Não conhecia ninguém. Ninguém a conhecia. No curso de Hindi, senta-se ao lado dum rapaz.
- Olá! Sou o Ruud. Já sabes alguma coisa de Hindi?
- Chamo-me Raluca. Nem uma palavra sei de Hindi. Vim experimentar. Achei que deveria ser engraçado.
Enquanto o professor não chegava, quedaram-se na conversa. Ela falou-lhe da Roménia. Ele de Amesterdão.
Ao fim da tarde – lá vêm as coincidências – encontram-se no Centro Desportivo.
- Raduca! Que coincidência! Fazes esqui?
- Olá Ruud! Que engraçado voltarmos a ver-nos aqui. Nunca na vida fiz esqui, mas quis vir ver como era.
- Depois da aula, vou nadar um pouco e fazer sauna. Queres vir?
E assim foi. Começaram a encontrar-se regularmente. Estudavam juntos Hindi, passeavam, iam à piscina, faziam desporto. Descobriram que ambos gostavam de ópera. E de Mozart. E de jazz.
À noite, passaram a ir juntos ao Eindhovense Jazzclub OSJE, um famoso clube de jazz fundado em 1975. Ou ao Jazzpodium De Gouden Bal, onde se apresentavam muitas bandas regionais. Nos finais de Outubro, a cidade organizou um grande festival de jazz, no qual cantava uma das maiores cantoras de jazz da Roménia: Maria Raducanu . Ela tinha de a ouvir. Sempre que podia, não perdia os seus concertos. O festival tem lugar numa tenda gigante. Mas os bilhetes são caros. Que fazer? Ir não ir?
- Não te preocupes – diz-lhe Ruud. – Vamos entrar sem pagar.
- Como? - Pergunta atónita Raluca.
- Esperamos que comece e vais ver que depois nos deixam entrar.
E assim foi. O concerto começou e, pouco depois, os porteiros deixam entrar Ruud e Raluca. Foi um concerto fantástico. Maria Raducanu tinha uma maneira muito própria de cantar o jazz, integrando a música tradicional romena com o fado português, romance russo, folclore dos Balcãs, bossa nova brasileira – tudo com uma sonoridade invulgar. No final do concerto, Raluca e Ruud vão dar os parabéns a Maria e terminam a noite todos juntos num bar de música clássica.
Um dia, Ruud aparece num seminário de Matemática Pura. Entra discretamente, dá um papelinho a Raluca e vai-se embora: “Convido-te para chá e bolachas antes da aula de desporto." Que querido! À hora marcada, lá está Raluca na casa de Ruud, um estúdio nas águas furtadas dum prédio muito antigo.
Seguem-se mais encontros, alguns desencontros, novos encontros. Momentos de união e de desunião. Momentos de acordo e de desacordo. Momentos de céu azul intenso e de céu encoberto. Momentos de sol e momentos de chuva. É de tudo isto que a vida é feita. Uma vida a dois, que passou a três, a quatro e novamente a quatro, a três e a dois. Com sol e chuva. Como a vida de toda a gente.

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