quinta-feira, novembro 27, 2014

Fado e piano

Como Ser Amiga é ser Irmã, meti-me ontem ao final do dia num “barco” e debaixo de um grande temporal fui para Lisboa para o lançamento do CD “No melhor piano cai o fado” do “irmão do CM”, João Balula Cid.
Um projeto interessante – juntar o piano ao fado – que esperou 16 anos para sair da gaveta. Mas há coisas por que vale a pena esperar e o resultado final é bom. 
A voz de Jorge Baptista da Silva é forte e bem trabalhada (que voz é esta? De fado de Lisboa? De fado de Coimbra? De ópera?, perguntava-se ontem na apresentação)  e o som de João Balula Cid claro e harmonioso. Sendo a sua paixão – segundo fomos informados –a harmonização, sente-se que este projeto nasceu dele e vem-lhe da alma.
No pequeno concerto a que fomos brindados no âmbito da apresentação, Jorge Baptista das Silva parece que começou a medo mas logo se deu ao fado. Lindíssima a composição “Ponto final (fado tango)” com poema de David Mourão Ferreira e música de Joaquim Campos. Também fiquei encantada com “A quem desejo amar (Fado varela” com poema de Maria Manuel Cid e música de Reinaldo Varela.

Um final de dia muito simpático apesar do mau tempo.

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sexta-feira, novembro 21, 2014

Recital de piano na Igreja da Misericórdia de Tavira em homenagem a Maria Campina


Pareciam as pernas de uma aranha a saltitar. Os dedos andavam de tecla em tecla uma velocidade estonteante. Os fios invisíveis que os ligavam ao cérebro do pianista lá estavam a mexer as extremidades das mãos como se fossem marionetas.


Mas a concentração era difícil. O senhor da fila 4 puxava a expetoração nasal com tanta energia que quase a podíamos imaginar a sair pelo nariz. A velhota da 6 tossia uma tosse seca de cão. A jovenzita da fila 2 espirrava ruidosamente. Na fila 8, a senhora de casco verde desembrulhava rebuçados. Na fila 3,a a rapariga remexia furiosamente a mala procurando não sei o quê. A criança da fila 1 brincava com o programa que caía constantemente no chão.
Lá fora a chuva caía insistentemente na calçada.

Mas o pianista parecia estar noutro mundo, absorto e indiferente a todos estes ruídos. Os seus dedos continuavam a correr sobre as teclas, tocando o Improviso Opus 142, nº 2, de Schubert.

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segunda-feira, novembro 03, 2014

Separámos perdendo a noção do todo

A vida tem mudado. Ainda bem. Não se poderia estar sempre na mesma. Mas às vezes há que ter atenção às mudanças. Sabemos, infelizmente, que tudo o que tem um início, tem um fim. Não sei se terá sido La Fontaine que um dia escreveu “en toute chose il faut considerer la fin”.  Mas o que vem a seguir?
Na 6ª feira passada, assisti a uma palestra do professor João Caraça, doutorado em Física Nuclear, e atual diretor da delegação da Fundação Calouste Gulbenkian de França. Falou sobre a crise das Humanidades. A natureza humana não muda. Não somos mais inteligentes que os nossos antepassados, temos unicamente mais conhecimentos. No entanto, mesmo apesar desse enorme leque de conhecimentos, continuamos a repetir os mesmos erros.

Os conhecimentos que fomos adquirindo permitem-nos desenvolver outros conhecimentos mas fomos separando os conceitos. No século XVI, a ética separou-se da politica, A luz separou-se da visão. O público do privado, a teologia da filosofia, A ciência da filosofia, A religião do estado.
Toda a Modernidade está baseada na cultura da separação, pois separando fomos conseguindo entender melhor as coisas. No entanto, separámos tanto que perdemos a noção do conjunto, do todo.

E entrámos assim numa crise cognitiva e de valores. Fomos substituindo palavras por outras, que pensamos serem sinónimas, mas que na realidade englobam outros significados. Senão vejamos dois exemplos. Trocámos “natureza” por “meio ambiente”; no entanto… a natureza é neutra, imutável, mas o meio ambiente é como um palco em que nós somos os atores, mas sem saber a história. E esta vai-se alterando sempre. Pensemos no que se fazia antigamente quando havia uma tempestade. As pessoas, amedrontadas, recolhiam-se nas igrejas e pediam ajuda ao céu. Hoje em dia não vale a pena procurar refúgio na igreja, porque nós mesmos, o seu humano, somos os agressores do ambiente, ou seja, somos nós a tempestade.

Trocámos “ciência” por “conhecimento”. Hoje em dia só se fala da sociedade de conhecimento. Mas a que nos realmente nos estamos a referir é à tecnociência, ao que é importante para os mercados: o marketing, a gestão, tudo a que se refere o curto prazo. Perdemos a noção de longo prazo. A ciência estava nas universidades. O conhecimento está no espaço público e, ao passar para o espaço público, perde a sua característica interrogativa e passa a certeza, ou seja, perde-se o pensamento crítico.

Todas estas alterações mostram-nos que há insegurança e complexidade e que é impossível separar as coisas. Temos assim uma sociedade onde há cada vez mais individualismo, violência (a insegurança causa muitas vezes insegurança), desigualdades, exclusão.

Tolentino de Mendonça focou também este aspeto na sua intervenção. Ao perder-se o pensamento crítico, perde-se a curiosidade pelo outro, o saber acolher o outro e a solidariedade - e assim vai-se dando lugar ao medo e à agressividade. Há que recuperar o humano em todas as situações, apela o Papa Francisco. Há que voltar a fazer a experiência da diferenciação, com o eu construído a partir do outro. É na diferenciação que nos construímos. Temos que reencontrar o modelo dual: eu e tu. Este é o motor da construção do ser humano. Temos de encontrar o outro a partir de nós próprios: para que serve ter vivido sem deixar traço como se para os olhos dos outros parece não termos vivido?


domingo, novembro 02, 2014

Dia da saudade, dia do agradecimento


A igreja dedica o dia de hoje, dia 2 de novembro, aos fiéis defuntos. O dia é marcado pela saudade, pela recordação de pessoas que se cruzaram connosco e caminharam ao nosso lado durante algum tempo. Passámos bons momentos com elas. Muito nos ensinaram. E hoje, neste dia de recordação, queremos dizer-lhes "obrigada".

Na vida tudo tem as suas fases: nascemos, crescemos, desenvolvemo-nos e morremos. Tal como uma vela. Foi feita, foi acesa, começou por dar uma luz pequena, mas depois tornou-se forte. Aos poucos, vai perdendo a sua força até que se apagou de vez. Mas ao apagar-se cumpriu a sua missão. Deu luz, iluminou quem estava à sua volta.


É assim que deve ser a nossa vida. Iluminarmos. Darmo-nos aos outros. Acompanharmos os outros. Tal como os nossos pais, mães, irmãs, irmãos, tios, tias, amigas e amigos o fizeram connosco. Acompanharam-nos. Deram-nos luz. A quem dizemos hoje e todos os anos neste dia, “obrigada”.