A vida tem mudado. Ainda bem. Não se poderia estar sempre
na mesma. Mas às vezes há que ter atenção às mudanças. Sabemos, infelizmente,
que tudo o que tem um início, tem um fim. Não sei se terá sido La Fontaine que
um dia escreveu “en toute chose il faut considerer la fin”. Mas o que vem a seguir?
Na 6ª feira passada, assisti a uma palestra do
professor João Caraça, doutorado em Física Nuclear, e atual diretor da
delegação da Fundação Calouste Gulbenkian de França. Falou sobre a crise das
Humanidades. A natureza humana não muda. Não somos mais inteligentes que os
nossos antepassados, temos unicamente mais conhecimentos. No entanto, mesmo
apesar desse enorme leque de conhecimentos, continuamos a repetir os mesmos
erros.
Os conhecimentos que fomos adquirindo permitem-nos desenvolver
outros conhecimentos mas fomos separando os conceitos. No século XVI, a ética
separou-se da politica, A luz separou-se da visão. O público do privado, a
teologia da filosofia, A ciência da filosofia, A religião do estado.
Toda a Modernidade está baseada na cultura da separação,
pois separando fomos conseguindo entender melhor as coisas. No entanto,
separámos tanto que perdemos a noção do conjunto, do todo.
E entrámos assim numa crise cognitiva e de valores. Fomos
substituindo palavras por outras, que pensamos serem sinónimas, mas que na
realidade englobam outros significados. Senão vejamos dois exemplos. Trocámos “natureza” por “meio ambiente”; no entanto… a
natureza é neutra, imutável, mas o meio ambiente é como um palco em que nós
somos os atores, mas sem saber a história. E esta vai-se alterando sempre.
Pensemos no que se fazia antigamente quando havia uma tempestade. As pessoas,
amedrontadas, recolhiam-se nas igrejas e pediam ajuda ao céu. Hoje em dia não
vale a pena procurar refúgio na igreja, porque nós mesmos, o seu humano, somos
os agressores do ambiente, ou seja, somos nós a tempestade.
Trocámos “ciência” por “conhecimento”. Hoje em dia só se fala
da sociedade de conhecimento. Mas a que nos realmente nos estamos a referir é à
tecnociência, ao que é importante para os mercados: o marketing, a gestão, tudo
a que se refere o curto prazo. Perdemos a noção de longo prazo. A ciência
estava nas universidades. O conhecimento está no espaço público e, ao passar
para o espaço público, perde a sua característica interrogativa e passa a certeza,
ou seja, perde-se o pensamento crítico.
Todas estas alterações mostram-nos que há insegurança e
complexidade e que é impossível separar as coisas. Temos assim uma sociedade
onde há cada vez mais individualismo, violência (a insegurança causa muitas
vezes insegurança), desigualdades, exclusão.
Tolentino de Mendonça focou também este aspeto na sua
intervenção. Ao perder-se o pensamento crítico, perde-se a curiosidade pelo outro,
o saber acolher o outro e a solidariedade - e assim vai-se dando lugar ao medo
e à agressividade. Há que recuperar o humano em todas as situações, apela o
Papa Francisco. Há que voltar a fazer a experiência da diferenciação, com o eu
construído a partir do outro. É na diferenciação que nos construímos. Temos que
reencontrar o modelo dual: eu e tu. Este é o motor da construção do ser humano.
Temos de encontrar o outro a partir de nós próprios: para que serve ter vivido
sem deixar traço como se para os olhos dos outros parece não termos vivido?