quarta-feira, julho 05, 2017

Em casa em “A casa das tias”

















Quando vi o anúncio do lançamento de “As casas das tias”, o 1º romance de Cristina Serôdio, fiquei logo de olho aberto.  Logo o título me levou à minha própria vivência. No Alentejo estavam as tias, as irmãs solteiras do meu Pai que íamos visitar no Natal, na Páscoa e no Verão. Viviam na casa da família, um grande casarão onde no r/ch era a loja de fazendas e miudezas e a quadra dos animais e no 1º andar a habitação. As tias que tudo faziam pelos irmãos e pelos sobrinhos e a quem eu dediquei um livro com o título provisório de “As receitas das minhas tias” que está ainda por publicar.
Assim se compreende o meu interesse assim que li o título. Ao mesmo tempo, e ainda sem nada saber sobre o livro, “A casa das tias” levou-me de imediato também para o mundo queirosiano da “titi” e do “Teodorico” de “A relíquia”.
A leitura do livro leva-nos à nossa infância e adolescência. Pelo tema em si – quantos de nós não temos as nossas raízes na província, na “terra”, onde há uma casa velha, cheia de segredos? – e pelo estilo que nos remete à nossa literatura do século XIX, com Eça de Queiroz, Júlio Diniz e Camilo Castelo Branco. Já falei da associação das tias à titi. As cartas dos irmãos transportam-nos para “A morgadinha dos Canaviais” e para “As pupilas do Senhor Reitor”. Os amores desertados, os amores que geram loucura lembram-nos o “Amor de perdição”.
Toda a história nos é apresentada metodicamente, como se descrevesse o trabalho de um documentalista. Uma acidentada herança dá a M, a prima da narradora, a casa das tias solteiras, irmãs do avô, que visitava na infância. M. é a fiel depositáriada casa das tias. É a voz que dá as personagens à autora. A visita à casa fechada há muitos anos e a abertura de caixas, caixotes, malas e arcas, com cartas, agendas, objetos fazem a narradora dar largas à imaginação, apresentá-los como coisas ordenadas, ligações improváveis. E assim inventa e compõe uma história dessa família. 
Cristina Serôdio escreve uma obra de ficção mas que é ao mesmo tempo a memória de um país. O livro é como um espelho estilhaçado que reflete uma realidade multifacetada, com os seus pequenos retratos, breves descrições, episódios passados entre figuras da casa, o tempo e os dias na aldeia e na cidade.


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