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Caminhando |
O
que nos leva a fazer o Caminho de Santiago? Numa época onde se viaja de avião,
onde tudo tem de ser rápido e imediato porque continuam milhares de pessoas a
caminhar quilómetros e quilómetros a pé, à chuva e ao vento, por montes e vales,
bosques e ribeiros, aldeias e cidades?
No
Caminho encontramos jovens e idosos, mulheres, homens e até crianças,
portugueses, espanhóis, ingleses, americanos, japoneses, enfim de todo o mundo.
A portuguesa com problemas nos ligamentos do joelho. Começou o Caminho em Barcelos e personifica bem a fábula "A lebre e a tartaruga". Lenta mas decididamente, sobrepondo-se ao joelho, chegou sempre a todos os albergues e a Santiago. Dentro do plano agendado.
A
italiana que primeiro visitou Fátima – “O que é vir a Portugal e não ir
a Fátima?” - antes de começar o Caminho no Porto. No ano passado fez, também sozinha,
o Caminho Francês.
As
duas australianas, mãe e filha, começaram o Caminho em Lisboa mas após
alguns quilómetros desistiram porque o trajeto era sempre em estradas com muito
trânsito. Tomaram então uma camioneta para Fátima e depois da visita ao
santuário foram de comboio até ao Porto onde começaram a caminhar. Como em Portela
de Tamel os joelhos da mãe tivessem começado a dar sinal, fizeram a etapa até Ponte
de Lima separadas; a mãe de camioneta e a filha em corrida! Isabell, a filha,
licenciou-se no ano passado e agora anda a correr mundo. No verão de 2015 fez
sozinha o Caminho Francês, mas este ano a mãe resolveu acompanhá-la no Caminho
Português. Depois de chegarem a Santiago, planeavam ir até à Côte d’Azur onde
vive a avó para festejarem o seu 90º aniversário. A mãe era muito aberta com
socialização fácil, entrando rapidamente em conversa com os outros caminheiros,
A
japonesa que com dois bastões de caminhada e um sorriso nos lábios subia
a serra da Labruja. Começou o caminho no dia 2 de março em Lisboa e pretendia chegar
a Santiago no dia 25. Percorreu todo o caminho a pé, tendo também passado por Fátima.
Os ciclistas do Porto que muitas pragas rogaram ao subir a Serra da Labruja, levando as bicicletas à cabeça.
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Ciclistas subindo a Serra da Labruja |
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O
coreano que placidamente caminhava pelas sendas jacobeias, Encontrámo-lo
pela primeira vez à saída de Padron, em Iria Flavia, onde, num café com wi-fi, telefonava
alegremente com a pátria longínqua. Fomo-nos cruzando várias vezes com ele até
Santiago, sorrindo sempre e trocado breves palavras. Há três anos fizera o
Caminho Português com a família. Agora ali estava de novo, sozinho. E disse-nos,
já em Santiago, com algum orgulho, “a minha filha também está a fazer o
Caminho. Está a 100 km daqui.”
O
grupo de escuteiros de Barcelos que alegre e efusivamente se queixava
das bolhas, brincava, fazia penteados na camarata.
Os
três espanhóis, jovens adultos, das Astúrias que tinham ido de carro até
Redondela, e aí tomado um táxi até Ponte de Lima, para aí começarem o Caminho
Português. Quando chegassem a Santiago, tomariam uma camioneta de volta a
Redondela para apanharem o carro e regressarem a casa. No ano passado fizeram o
Caminho Francês. Este ano era o Caminho Português e não a partir de Valença,
como faz a grande maioria, mas de Ponte de Lima para ultrapassarem o grande
obstáculo que é a serra da Labruja, Eram muito educados e prestáveis. Quando
saíam para jantar, deixavam o seu cantinho na camarata muito arrumadinho. Ao
levantarem-se cedo, acordavam com o despertador em música clássica que rapidamente
desligavam para não incomodar os demais.
Os
dois irlandeses robustos, que mais colocaríamos num pub com uma “pint”
de Guiness na mão, avançavam rapidamente com uma grande passada.
O
grupo de três mulheres e um homem da zona do Porto que parecia estar a
fazer o Caminho sem alegria interior. Tinham sempre uma cara triste e as
conversas pareciam ser ou de confessionário ou de consultório de psiquiatra.
O
divertido grupo de jovens do Porto, que começou o Caminho em Valença do
Minho, e que chegava sempre aos albergues no final da tarde, arrastando-se mas com
muito boa disposição.
A
avó, mãe e neto do Brasil que tinham começado o Caminho em Caminha para fazer
o Caminho do Litoral. Estavam à procura das raízes. Uma linha de antepassados
tinha a sua origem em Pontevedra, onde quereriam ir (voltar) depois de Santiago
para procurar registos para fazer a árvore genealógica. A outra linha é bem
preta. O tetravô era do Porto de uma família tão pobre que emigrou para fugir à
fome. Foi trabalhar para uma fazendo de negros. A tetravó era escrava nessa
fazenda. “Um dia, um índio pulou a cerca e violou-a. A minha tetravó ficou
grávida e deu à luz uma cafuza. Você sabe o que é cafuza? É mistura de índio e
negro”. A tetravó não podia ficar na fazenda de negros com uma cafuza e foi
expulsa. O tetravô não gostou da decisão do dono da fazenda e casou com a
escrava, adotando a cafuza. Em criança, Lourdes viveu em muitos lugares no
Brasil porque o pai era militar de paixão. Aos 7 anos, o pai assentou arraiais
em Brasília, tornando-se, com grande tristeza, funcionário federal. “Imagine,
vivo há já 53 anos em Brasília. Casei em Brasília, meus filhos e netos
nasceram, cresceram e casaram em Brasília, nunca mais saí”. Saiu agora para
fazer o Caminho Português e ir ao encontro das suas raízes.
Fernanda, a já lendária
D. Fernanda de Vitorino de Piães, antiga carteira (distribuidora de correio)
que agora recebe caminheiros e os trata como membros da família.
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Fernanda a fritar peixe para as três caminheiras que ficaram na sua casa nessa noite |
Sérgio
e Jorge, as almas do albergue de
Portela (Barro) que recebem os caminheiros com muito coração, simpatia e
simplicidade. Apesar de estar paralisado desde os 14 anos, Sérgio não
quebrou, lutando pela vida e por ser útil à sociedade. Tem agora um papel
fundamental no acolhimento de caminheiros, Todos os dias preparam o jantar para
os caminheiros que comem em conjunta “como uma grande família”. Antes de se
começar a comer, é feita uma oração de graças e uma oração pelos caminheiros
que no dia anterior ali pernoitaram, sendo lembrados uma a um por nome.
A alemã que se decidiu a fazer o Caminho em três dias, aceitando o repto da sua amiga venezuelana. Começaram em Valença. Após uma etapa longa. chegou derreada ao albergue de Portela. Mas aí recuperou as forças, tendo chegado a Santiago um dia mais cedo do que planeara.
Conchi, a
rececionista do Albergue de Valga, uma entusiasta de Portugal, sempre disponível
para qualquer pedido que se faça.
O espanhol que nos tirou inúmeras fotografias quando descansávamos
com as pernas ao alto e sempre nos lembrava que "para caminhar é preciso ter os pés em baixo, não no alto".
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Caminheiras |
Etiquetas: Caminho de Santiago